Por Andreia Darmstadter*
O prazo para cobranças foi estendido, mas a responsabilidade chegou: ultrapassamos o 26 de maio, data que marca uma era promissora para a Saúde e Segurança do Trabalho (SST) no Brasil. Já podemos celebrar a entrada em vigor da tão aguardada obrigação da avaliação dos riscos psicossociais – uma exigência legal que chegou sutilmente pela Portaria MTE nº 1.419, de 2024.
Ao alterar a NR-1, essa portaria tornou explícita a responsabilidade das empresas em gerenciar os fatores psicossociais. Quem diria que assédio, metas desumanas e esgotamento pudessem ter alguma relação com a saúde do trabalhador? Avaliação Psicossocial passou a ser compromisso imediato, ocasionando, sinceramente, um avanço conceitual.
Muitos saudaram a novidade como um progresso marcante em dinâmicas ligadas ao RH das organizações. Contudo, é fundamental que profissionais das áreas de SST tenham em foco que a avaliação de riscos psicossociais está se concretizando, independente de uma extensão do prazo para cobranças. Ou seja, não é mais tendência, é realidade: os riscos psicossociais já estão na agenda da SST, não apenas como uma obrigação, mas como uma representação clara e consistente de alcance de maturidade plena e inquestionável. Os riscos psicossociais passam a ser uma realidade gerida de forma abrangente e, claro, fiscalizada!
As recentes portarias sobre saúde psicossocial lançam uma sombra de dúvidas normativas sobre o cenário regulatório. A Portaria nº 1.419/24 parece redundantemente reiterar exigências já estabelecidas pela nova NR 17, em vigor desde janeiro de 2022. De forma também paradoxal, a Portaria nº 765/25 protela a implementação de diretrizes que, em teoria, já deveriam estar sendo seguidas há mais de três anos.
Para clarear, é só buscar na NR 17, especificamente na dimensão “organizacional” do § 4.1, a comprovação da exigência de avaliações de riscos psicossociais.
A referida norma, que trata da Ergonomia nas atividades laborais, tem como principal objetivo adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, promovendo conforto, segurança e desempenho eficiente. Ela estabelece parâmetros para a organização do trabalho, incluindo, entre outros aspectos, questões como: condições ambientais, organização do trabalho (incluindo ritmos e pausas) e, ei-los: Riscos psicossociais e fatores organizacionais!
Diante dessas inegáveis similaridades e da convergência de conteúdo em cada aspecto analisado, a conclusão se impõe: a avaliação de riscos psicossociais já está intrinsecamente contemplada na NR 17.
Nesse contexto, a Portaria nº 1.419 surge como supérflua, limitando-se a reiterar o que já está subentendido no § 4.1 da NR 17, vigente desde o início de 2022. Por sua vez, a Portaria nº 765, ao adiar a implementação de algo que é inerente à NR 17, incorre em uma prorrogação injustificável de um imperativo que existe há mais de três anos.
Com base nessas evidências, percebe-se que ambas as portarias refletem uma essência anacrônica, acarretando o cenário normativo nebuloso que ainda desafia muitos profissionais de SST, gerando muitas incertezas.
Resumindo, a exigência de avaliações de riscos psicossociais na prática existe desde janeiro de 2022, contrariando o argumento de que seria necessário mais um ano para “aprendizado” e preparo.
Se, decorridos mais de três anos, ainda não se dispõe das condições para elaborar tais avaliações, é ilusório acreditar que 1 ano adicional será suficiente para suprir essa lacuna. O futuro está sendo usado para legislar sobre o presente, com uma reverência peculiar ao passado.
Fiquem atentos! Cobranças poderão surgir alicerçadas em legislação já existente.
* Engenheira de Segurança do Trabalho e Supervisora do Departamento de Segurança no Trabalho do Seconci-MG.